quarta-feira, 3 de outubro de 2007

HINO A VIDA

“Se, por um instante, Deus se esquecesse
de que sou uma marionete de trapo e
me presenteasse com um pedaço de vida,
possivelmente não diria tudo o que penso,
mas certamente, pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas, não pelo que valem,
mas pelo que significam. Dormiria pouco,
sonharia mais, pois sei que cada minuto
que fechamos os olhos, perdemos sessenta
segundos de luz. Andaria quando os demais
parassem, acordaria quando os outros dormem.
Escutaria quando os outros falassem e gozaria
um bom sorvete de chocolate. Se Deus me
presenteasse com um pedaço de vida,
vestir-me-ia com simplicidade, deitar-me-ia
de bruços no solo, deixando a descoberto
não apenas o meu corpo, como minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração,
escreveria o meu ódio sobre o gelo e
esperaria que o sol saísse. Pintaria, com
um sonho de An Godo, sobre estrelas, um poema
de Mário Benedetti e uma canção de Serrat
seria a serenata que ofereceria à Lua.
Regaria as rosas com as minhas lágrimas
para sentir a dor dos espinhos e o encarnado
beijo das suas pétalas. Deus meu, se eu
tivesse um pedaço de vida, não deixaria
passar um só dia sem dizer às gentes:
amo-vos, amo-vos. Convenceria cada mulher
e cada homem que são os meus favoritos e
viveria apaixonado pelo amor. Aos homens,
provar-lhes-ia como estão enganados ao
pensarem que deixam de apaixonar-se quando
envelhecem, sem saber que envelhecem quando
deixam de apaixonar-se. A uma criança,
dar-lhe-ia asas, mas deixaria que aprendesse
a voar sozinha.
Aos velhos, ensinaria que a morte não chega
com a velhice, mas com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi com vocês, os homens...
Aprendi que toda a gente quer viver no cimo
da montanha, sem saber que a verdadeira
felicidade está na forma de subir a escarpa.
Aprendi que quando um recém-nascido aperta,
com a sua pequena mão, pela primeira vez,
o dedo de seu pai, o torna prisioneiro
para sempre. Aprendi que um homem só tem
direito de olhar um outro de cima para
baixo para ajuda-lo a levantar-se.
São tantas coisas que pude aprender com
vocês, mas, finalmente, não poderão servir
muito porque quando me olharem dessa maleta,
infelizmente estarei morrendo” (...)

MARAVILHOSO "GABRIEL GARCIA MARQUEZ"

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